Este é um registro narrativo de algumas experiências vivenciadas, durante a execução do projeto PHOTO_GÊNERO 2019: Semana de Fotografia Baiana em Maputo, realizado em Moçambique. Este projeto foi realizado em parceria com a artista Juh Almeida, com curadoria de Juci Reis, apoio da Flotar Program, Centro Cultural Brasil-Moçambique, Museu Nacional de Arte de Maputo e apoio financeiro do Fundo de Cultura da Bahia, através do Edital de Mobilidade Artística e Cultural 2018 - 4ª Chamada.
No primeiro dia, logo pela manhã houve uma reunião no Museu Nacional de Arte de Maputo com o diretor do CCBM, Jorge Dias. Conversamos com a equipe do MUSART sobre a proposta da exposição Memória, Ancestralidade e Afeto, onde apresentei a série fotográfica Forças em Movimento, que traz imagens da festa de Ogum realizada no terreiro Ilê Axé Ojú Omi, no Nordeste de Amaralina, em Salvador.
O dia seguinte foi dedicado, principalmente, a montagem da exposição. Contamos com o apoio de Fabião e Banze, que trabalham no CCBM e foram fundamentais no processo de montagem.
Compus a expografia utilizando alguns metros do tecido voal, na cor branca para reforçar a sensação energética representada nas fotografias. Um desafio foi encontrar a planta conhecida em Salvador como Espada de Ogum. Apesar de existir na cidade de Maputo, não é muito conhecida e, aparentemente, não possui uma nomenclatura popular. A ajuda de Banze e Jorge Dias foram essenciais nessa empreitada. Durante nossa procura, foi possível perceber o senso de comunidade e a disponibilidade vinda de pessoas desconhecidas.
Nesta experiência fui entrevistada algumas vezes para emissoras locais, como a Gungu TV, STV e TVM, onde falei sobre as oficinas desenvolvidas pelo projeto, cultura afrobrasileira, além de fazer um convite para o público prestigiar a exposição no MUSART.
__________
A abertura da exposição Memórias, Ancestralidade e Afeto ocorreu no dia 25/04/2019, a noite, no Museu Nacional de Arte de Maputo. A exposição visou promover um intercâmbio artístico e cultural entre as cidades de Salvador e Maputo através de retratos documentais e experimentais feitos em Salvador.
A cerimônia de abertura da exposição teve início com a presença da equipe do MUSART, equipe CCBM, artistas moçambicanos e brasileiros, além da ex-embaixadora do Timor Leste e do público em geral. A receptividade foi bastante calorosa e todos estavam muito entusiasmados. Foi de aquecer o coração ver Maputo abraçando Salvador.
O intercâmbio com os artistas moçambicanos foi muito rico. Conversamos sobre as diversas linguagens nas artes visuais, técnicas e possibilidades, além das trocas e debates a respeito das realidades sócio-culturais brasileiras e moçambicanas. Uma moça moçambicana, Ivania, resolveu ir a abertura após assistir uma das entrevista na TV. Conversamos muito, principalmente, sobre as realidades enfrentadas pelas mulheres brasileiras e moçambicanas. Ivania ficou muito interessada no significado da planta Espada de Ogum no Brasil, pois conhecia essa espécie apenas como uma planta comum.
O dia seguinte começou bem cedo com os últimos preparativos para a oficina Estandartes para Ogum, que aconteceu ainda pela manhã, com participação de estudantes da Escola de Artes Visuais de Maputo.
Essa atividade visou promover um intercâmbio cultural entre as culturas e crenças afro-brasileiras e moçambicanas, partindo da apresentação de imagens da série fotográfica Forças em Movimento. Utilizando materiais oriundos do Brasil e de Moçambique, a turma construiu estandartes demonstrando algum aspecto da cultura moçambicana. Apesar do estandarte ser um elemento oriundo das festas religiosas européias, ele foi ressignificado nas manifestações religiosas no Brasil, sendo utilizado também em celebrações afro-brasileiras e afro-indígenas, mostrando a inter relação entre as matrizes culturais brasileiras.
A oficina foi organizada da seguinte maneira: apresentação das imagens da série Forças em Movimento, contextualizando onde foi feita e o que retratam; apresentação e bate-papo sobre o candomblé e, especificamente o orixá Ogum: mitos, cânticos, características, simbologias; apresentação dos estandartes brasileiros; entrega dos materiais para a confecção dos estandartes e mão na massa.
Após a construção dos estandartes, conforme explicado previamente, promovemos uma troca de “presentes”. Cada participante ganhou um estandarte brasileiro em troca do que foi construído durante a oficina. Assim, esse intercâmbio extrapola o espaço do CCBM, onde ocorreu a oficina e impacta mais pessoas, trazendo estandartes moçambicanos para o Brasil e deixando os brasileiros em Moçambique.
O resultado foi excelente. Apesar dos participantes da oficina não conhecerem previamente sobre o tema, o bate-papo fluiu muito bem, havendo, inclusive, identificação com alguns aspectos apresentados, como a musicalidade.
Além de realizar as atividades diretamente relacionadas com o projeto, tive oportunidade de conhecer muitas pessoas inspiradoras e fazer contatos importantes.
Por causa da temática religiosa das fotografias e da oficina, me recomendaram conhecer a Igreja Zione, e por causa desse interesse conheci o fotógrafo Amilton Neves e um importante sacerdote dessa religião considerada tradicional em Moçambique. Mantivemos contato, também, com o fotógrafo Tomás Cumbana, da Associação Moçambicana de Fotografia, que tem interesse em descobrir e promover outras aproximações entre Brasil e Moçambique.
Além de fotógrafos, conhecemos artistas de outras linguagens como a diretora teatral Maria Clotilde e o músico Dhemas Massangai, que nos apresentou sua comunidade e suas irmãs Nona e Mena (que também são historiadoras), além de promover um momento bastante significativo e emocionante, com a timbila (instrumento musical tradicional chope) e sua banda Afrobeat Music Atack, numa apresentação para toda comunidade. Essa foi uma das experiências mais marcantes!
Poder participar do PHOTO_GÊNERO 2019: SEMANA DE FOTOGRAFIA BAIANA EM MAPUTO, foi muito importante para meu desenvolvimento e crescimento enquanto artista e ainda me traz frutos.
Esse intercâmbio foi uma das experiências mais intensas da minha vida, não só como artista, mas como uma mulher negra que busca entender e ocupar o seu lugar no mundo e na arte. E a cada revisita a Maputo, através das minhas memórias, novas percepções e reflexões surgem.
__________
A série Aqui, só que Lá é um dos resultados artísticos desta experência transatlântica. Nela, tento transmitir a familiaridade que senti em Maputo e ao mesmo tempo evidenciar suas particularidades. São cenas que facilmente encontramos aqui, com um toque que só poderia ser encontrado lá.